sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Para morrer, basta estar vivo

Paulo Liebert
Não tenho idade para tanto, mas quero reclamar. Estamos perdendo nossos artistas sem que haja reposição. Toda vez que sei de um artista internado já fico em sobressalto, foi assim com Jô no ano passado, eu me lembro bem.

Quando eu era criança, sempre que alguém morria, diziam: para morrer, basta estar vivo. Mas nem só os vivos é que morrem. Os mortos também. Morre-se de muitas maneiras, de esquecimento, de distância, de desentendimento, morre-se física e também moralmente.

Confúcio disse para não nos preocuparmos com a morte diante do tanto de problemas da vida que temos para resolver, mas ela está sempre a nos desafiar. No tarô o arcano da morte se apresenta como morte e colheita, é uma carta de mudança também, para refletir na vida o caminho de dor com ou sem sofrimento, sendo esse de nossa opção.

Mas de tudo o que se falou da morte talvez se tenham esquecido de dizê-la idiota. A morte é idiota. Aos cento e um anos de idade, do alto de sua condição de dama das artes plásticas, Tomie Ohtake morre nada mais nada menos do que vítima de um engasgo. Engasgou-se com o café da manhã, teve uma broncoaspiração e um ataque cardíaco na sequência. Não parece idiota?! É grotesco! Humilhante!

E não venha com: o artista não morre. Morre sim. E talvez seja essa a única condição que torne todos os humanos iguais, a morte. Nem o amor é capaz disso, porque cada um ama de um jeito, mas se morre igual: grosseiramente, sem ter tempo de organizar as coisas, sem se despedir. A morte é uma piada, diria a Martha Medeiros na ocasião da morte do Bussunda. É mesmo. Uma piada, uma grosseria.

E não se trata de não morrer, mas de não ter a dignidade atacada. Quem, além da morte, poderia pensar em uma situação tão idiota para uma artista tão grande?! Mas Tomie, assim como disse não ter visto os cem anos chegarem, devia estar muito ocupada com outra coisa para perceber a morte.

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