segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Linguagem



Sara plantava palavras em vasinhos no quintal de casa. Eram soberbas as plantas, cuidadas com pouco Sol, pouca água e muita atenção. Ninguém podia chegar perto delas, só com o consentimento daquela que era mais do que dona, se sentia mãe daquelas palavras.

Quando a guerra foi declarada Sara ficou atônita. Não por ela, mas pelas palavras. O que fazer com elas? Pensou em partir enquanto ainda desse tempo, mas não havia como levar todos os vasos, no máximo três ou quatro.

Então Sara tomou a decisão mais difícil de sua vida. Ela comeu as palavras. Comeu uma por uma, empurradas com um pouco de água. Eram as e esses que sobravam no canto da boca, mas era preciso, e Sara chorava e comia mais palavras.

Partiu no mesmo dia levando apenas a roupa do corpo. E as palavras. Essas, todas, comidas e a ponto de serem digeridas. Sara só pensava em chegar a algum lugar seguro do outro lado e regurgitar as palavras, porque só assim podia ser que sobrevivessem.


Conseguiu atravessar a fronteira e chegar ao país vizinho. Foi salva e abrigada por um casal de camponeses. Sara agradecia. Agradecia e vomitava as palavras, mas o homem e a mulher não entendiam nada, eram analfabetos.

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