terça-feira, 3 de maio de 2011

História de amor vencedora da promoção Envie sua história de amor

Só agora me dou conta do número de histórias que eu conheço de pessoas que descobriram um amor para sempre. Elas são alegres ou tristes, felizes ou não, mas aparentemente resignadas e seguem a vida a passo.
O amor que é seu, só é seu, e não cabe pensá-lo.

Março de 47
Vitória e Arthur se casam num sítio, cercados de amigos e parentes, o padre é um primo dela que se decidiu pelo sacerdócio após uma visão de Jesus na beira de um lago.
Como se esperava o casal foi muito feliz. Mudaram-se três anos mais tarde para a Polônia, após o nascimento da primeira filha, e viveram lá até o nascimento de Julie, então a terceira filha.
Com o passar do tempo Julie assume uma personalidade inspirada no pai, independente e desprendida, mas com a doçura da mãe, que ela sempre amou e admirou como a uma rainha.

1997
Julie e Marcos se casam em Amsterdam sem a presença dos pais dela, Arthur é morto e Vitória convalesce de uma fratura recente no fêmur.
De volta da lua de mel em Paris encontram Vitória recuperada e já tentando perambular pela casa apoiada numa bengala de madeira que fora de seu pai.
Julie é uma mulher de quase quarenta anos e está no terceiro casamento, o que a deixa preocupada quase que constantemente com traição ou abandono. Vitória, como sempre, é sua confidente e conselheira, mas quando se trata de Marcos isso muda. Desde que o viu pela primeira vez Vitória não mais opinou sobre ele em qualquer aspecto ou aconselhou Julie.

4 de fevereiro de 2007
Por complicações de uma pneumonia, Vitória é morta.
Julie só chega de Madri a tempo de enterrar a mãe.
Vasculhando gavetas e pastas à procura de documentos, as filhas encontram uma caixa de papel vermelho, guardada no fundo de um armário. Ela guarda os diários de Vitória desde a adolescência até o último, incompleto.
***
21 de agosto de 1995
Minha filha Julie conheceu um rapaz.

12 de outubro de 1995
Hoje, e é envergonhada que confesso isso aqui, descobri que jamais amei o meu marido ou qualquer outro homem.
Conheci Marcos, o namorado de minha filha Julie, num jantar que fizemos aqui em casa. Como não sabia o que sentia, só agora, após profunda reflexão, posso descrever.
O amor é uma onda de calor. É uma rajada de vento que nos balança quando passa. Marcos é o homem mais interessante que já conheci e eu o amo, embora não possa amá-lo, pois é o namorado de minha filha e eu sou uma senhora de quase setenta anos. Volto a mencionar minha vergonha em sentir o que sinto, mas é incontrolável, é uma excitação que me acelera o coração e ativa a mente quando ele está perto e uma sensação de que não tenho idade, que sou invencível quando ele me toca a mão em cumprimento.

01 de janeiro de 1996
Minhas filhas e ele estiveram comigo no Réveillon, depois voltaram para suas casas ou viajaram. Tenho me sentido solitária e isso é estranho, porque não sou uma mulher que necessite de gente em volta.
Há pouco tempo telefonei a ele, com a desculpa de avisar sobre um cachecol esquecido quando em verdade era para saborear a sua voz macia em meu ouvido.
Deus sabe a vergonha e a culpa em amar profundamente e desejar fisicamente o namorado de minha filha, agora que posso eu fazer com esse sentimento?

24 de março de 1996
É meu aniversário e todos estiveram aqui hoje, minhas amigas, vizinhas, o pessoal da caridade, minhas filhas, e ele. Marcos. Trouxe-me um disco de Stevie Wonder e me abraçou e me beijou enquanto desejava feliz aniversário.
Não sei das minhas amigas, mas eu ainda sinto calor e meu corpo se altera quando ele se aproxima de mim, principalmente quando me toca como hoje.

01 de julho de 1997
Estou sobre uma cama dopada de analgésicos e a perna engessada enquanto minha filha e Marcos se casam.
O amor é até uma piada. Que sentido em encontrá-lo aos setenta anos nos olhos e no cheiro e na voz do marido de minha filha?
Dóris, amiga antiga, me diz que só amou o marido. E eu, o que sentia por meu marido? Agora, com Marcos, penso que devia ser uma amizade apenas, ou melhor, eu nunca poderia saber sem viver todos esses anos para, então, conhecer aquele que realmente amarei para sempre: Marcos.
***
Não há palavras entre elas. As expressões de espanto, graça e preocupação estão estampadas nos rostos das três e se alternam com velocidade.
Julie deixa escapar uma lágrima e as irmãs a abraçam.
***
14 de abril de 1999
Terminei de ler O Amor nos tempos do cólera de Gabriel García Marquez. Quem pode saber a dor de sentir um amor e não possuí-lo? Leio ou ouço as pessoas falando em amor livre, em liberdade, em dar espaço e fico pensando: vou passar pela vida sem ter o amor do homem que eu amo. E quem o tem, se o tem, preocupa-se em deixá-lo espaços vazios?
Ora, tenho vontade dizer às moças, como às minhas filhas, e mesmo Julie que está no terceiro casamento, apenas ame, sem deixar espaços e se preocupar com bobagens criadas por alguém que talvez nunca tenha conhecido o amor na prática. Teorias podem ser muito bonitas, conseguir títulos e fama, agora, no vamos ver quem é mesmo que se garante?
Nós pensamos que sabemos muito e até sabemos mesmo, mas o que sabe de amor uma senhora idosa que vive apaixonada pelo marido da filha de quarenta anos?
Ando me fazendo muitas perguntas.

18 de janeiro de 2001
Julie e Marcos saíram agora daqui, vieram me ver e trouxeram uma amiga. Eu estou especialmente sensível e ranzinza hoje. Fico vendo o carinho com que ele a trata, a atenção que lhe dispensa, os afagos, e fico me torturando com a inveja e o desejo.
Ah Deus, o que estou pensando? Eu sou uma velha.
Selma me chamou ao telefone para ver um filme com Andrews e ela. Vou.
__________

História baseada em fatos reais. Nomes de pessoas e datas foram substituídos.
Obrigado M.
Maio/2011

5 comentários:

  1. Isso sim é real. Isso sim é a vida. Quem sonha com amor de cinema, sonha com pouco.

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  2. Poucas coisas me tiram as palavras, isso é amor, a maioria apenas gosta.

    Abraço e obrigado por compartilhar!

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