terça-feira, 17 de janeiro de 2017

A cultura do está bom

Vinha eu de minha caminhada noturna quando me chama a atenção uma mulher que retira as sacolas (plásticas!) daqueles carrinhos de supermercado, uns enormes e coloridos que as crianças adoram, e as coloca na mala do carro, as sacolas, não os pimpolhos. Depois o “estaciona” displicentemente à frente do veículo da vaga ao lado, entra em seu carro e parte com a família. 



Talvez como consequência da ditadura e dos costumes rígidos de um passado bem recente, nossa sociedade tenha ingressado em uma via de permissividade que nos trouxe ao que chamo de cultura do “está bom”. É um modelo social onde não há espaço para o pensamento crítico, tudo está nos conformes. Opta-se pelo simples e rápido para não precisar refletir nem refazer e muito menos indicar qualquer tipo de erro. Aliás, erro parece ser uma palavra que se tornou execrável e que deve ser abolida dos dicionários!

Outra coisa que me incomoda no supermercado são aquelas pessoas que passam as compras no caixa e deixam o carrinho ou o cesto a atravancar o caminho e a esteira do balcão. Mas isso, imagino, deve ser privilégio de cidade provinciana aqui do Sul!

A educação se tornou um produto sem embalagem, rótulo e, por consequência, sem informação, uma gosma líquida de onde se pode ver signos espalhados sem nenhuma organização. O mestre essencial e a figura do mentor foram substituídos por gente com certificado de mestre e doutor, certificados esses, em geral, comprados como um saco de batata-frita em universidades-empresas. Eles ministram suas aulas-padrão ano após ano sem que ninguém se incomode com isso. Os alunos, na pura acepção da palavra, sem nenhuma base educacional sólida, até gostam, porque, assim, não precisam aprender nada, basta escrever as palavras certas na prova, produzir o trabalho do jeito que o professor quer e: tudo “está bom” e todos estão felizes. 

Todos fingem se incomodar com os quinze salários por ano dos políticos, somados aos trocentos assessores, carro, motorista, viagens, ternos e tanto mais, justificados na legislatura a favor dos amigos, dos “clientes” que financiam suas campanhas eleitorais e em benefício próprio. Todos nos declaramos incomodados, mas o baile segue ao som de gritos que são abafados com força, notícias sonegadas e ação popular isolada e sem planejamento. 

A impressão é que diante de tanto estímulo e de tantas oportunidades de ter e de ser, os cérebros estão cansados, esgotados de cumprir tarefas vazias. Permitimos uma invasão diária de demandas inúteis ao nosso cérebro que, quase soterrado, acaba por escapar pelo mais fácil e mais rápido, afinal, é preciso dar outra resposta logo em seguida. Não há tempo para contemplar e refletir. 

Essa cultura do “está bom” vem sendo aplicada em quase todas as dimensões da vida e sem nenhum resultado. Até em nossas vidas domésticas podemos encontrar esse modelo, a casa passou de refúgio a dormitório, a comida virou veneno por conta do próprio veneno e não em essência, o prazer tomou conta da sensação e virou fim. Todos os meios são desprezados nessa sociedade que construímos para não conviver e, quando conviver, agredir ou não questionar, diferenças são execradas na busca de uma igualdade utópica e “zumbi”. 

A cultura do “está bom” só pode ser combatida com o livre exercício do pensamento, com o uso de nossa liberdade de refletir, se expressar democraticamente e com o reconhecimento das diferenças que nos tornam pessoas únicas. Não se trata de negar a igualdade almejada por minorias, mas de encontrar a possibilidade da diferença individual (daimônica) na igualdade humana (espécie). Precisamos evoluir rapidamente para uma compreensão avançada da convivência em sociedade, onde o dever e o direito de cada um têm o mesmo peso e são menos importantes do que a manutenção da vida.

Gostou do texto?
Então considere DOAR um café para o escritor.
Clique aqui e doe pela PagSeguro UOL, com toda a segurança: https://pag.ae/bbgzYhb

Nenhum comentário:

Postar um comentário