Descobri a página do Lucas na internet por acaso. Aos poucos fui descobrindo a voz do avô do poeta e me identificando. Agora aí estão os dois.
Ao apresentar o primeiro livro do poeta Lucas Reis Gonçalves, um colega seu diz que ele é uma descoberta, e de fato acredito que o é. Quando Lucas escreve, não tem medo da palavra, a torce e retorce até encontrar nela aquilo que é a essência da poesia, a linguagem, nova, inusitada. E ainda acrescenta humor e crítica fina.
Ao apresentar o primeiro livro do poeta Lucas Reis Gonçalves, um colega seu diz que ele é uma descoberta, e de fato acredito que o é. Quando Lucas escreve, não tem medo da palavra, a torce e retorce até encontrar nela aquilo que é a essência da poesia, a linguagem, nova, inusitada. E ainda acrescenta humor e crítica fina.
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Esse é um dos materiais mais sinceros que já produzi. No começo, ele foi organizado para se publicar aos poucos, na internet. A página, com o mesmo nome, teve um bom acolhimento do público e, justamente por isso, resolvi coletar todos os textos e imprimir.
O Poeta, como a galera apelidou, conta sobre a relação inevitável entre um neto e um vô, que aparentemente sofre de uma doença terminal. Nesse relato, alternado entre capítulos de diálogos e outros de narração, dá para perceber uma forte conexão entre os dois personagens - tanto negativa como positiva. E essa conexão, esse atrito entre eles é que escreve toda a obra.
Falo sempre, e repito, que esse é um dos projetos mais verdadeiros em que já trabalhei. Cada ponto que ali vai escrito é pura essência desses personagens que sempre foram reais em mim e, por sorte do destino, em muita gente também. No começo da página, lembro de receber muitos depoimentos e mensagens contando casos similares, em que pessoas tinham perdido o avô ou a avó e sentiam, na pele, a mesma coisa que eu sentia em texto – e somente nele. A partir daí, eu já não sabia bem o que sentir. Não entendia se isso era bom ou se era ruim; se isso valia ser contado, se esse tipo de sensação era interessante de sentir ou não. O fato é que continuei e, por muito tempo, esse foi o meu alimento para terminar a história, para sofrer, morrer e gargalhar em cima do neto, do vô – do texto.
2. Tu moras na Venezuela. Há uma crônica tua, no Obvious, falando um pouco da situação do país, mas eu quero saber como está agora, como tu percebes a onda de protestos?A Venezuela é foda, e é foda tá aqui.
Não existe melhor oportunidade para alguém que quer crescer - como artista ou como pessoa - do que a crise. E esse país, como muitos, é cheio delas. Quando cheguei aqui, fiquei emocionado: duas semanas depois de eu desembarcar, o Chávez morreu, e uma onda de rumores já começava a se espalhar pelas ruas. Depois, o calor das eleições. Mais tarde, em 2014, os protestos e suas quarenta e poucas mortes. Escrevi sobre tudo isso, acompanhando de perto o desenrolar (ou enrolar) dessa trama grotesca que pertence ao dia-a-dia desses sujeitos firmes, os venezuelanos. Enquanto meu olhar estrangeiro tratava de descrever - quase sempre sem grandes opiniões - o que passava por nossas rotinas (e retinas), uma necessidade de SER GRANDE subia forte em mim. E ainda sobe: viver na Venezuela é luta todo o dia; luta para conseguir um sabão, luta para não ser assaltado, violentado no meio da rua, luta para não perder a vontade de levantar e trabalhar para ganhar o pouco que te dá para fazer o mercado do mês, e olha lá.
Mas o interessante é que ela é supercontraditória. Enquanto acontece esse tipo de coisa, a gente vê um país de mentes brilhantes que criam para cada situação difícil uma piada que traz muito mais risada que o choro que causou a origem dela. E é isso que eu tento explorar, essa capacidade humana (e venezuelana) de perceber um mundo controverso que cospe todo dia na nossa cara a realidade dura que é sobreviver. E assim a gente segue: sobrevivendo.
3. Como tu percebes o cenário literário brasileiro para poesia e para os novos autores?
Um tempo atrás escrevi um ensaio sobre a Literatura Viral e as (velhas) novas condições dos meios de comunicação de agora. Ele começa assim:
"“Hoje todo mundo é poeta”, costuma dizer um amigo meu quando mostro para ele o último poema que, até então, escrevi. E eu sempre concordo e completo: hoje todo mundo é poeta; todo mundo é crítico; todo mundo é fotógrafo; todo mundo é jornalista; todo mundo é tudo o tempo todo em todo o mundo. E tudo isso aos olhos de todo mundo, ou quase."
Ali eu descrevo, com base no que já dizia há muito tempo Benjamin, como o desenvolvimento das tecnologias e o uso das redes sociais facilitaram a leitura e a escrita da poesia. E isso conforma o cenário para poesia e todos que são ou querem ser poetas hoje em dia. O espaço tá aberto, a corrida já foi largada, e tem muita gente correndo.
{ Escrever é duro, escrever dói.
Escrever é sangrar muitas vezes; é coisa séria, mesmo que seja só brincadeira; é brincadeira, mesmo que seja coisa séria. Escrever não é uma carreira;
escrever são todas as carreiras. }
escrever são todas as carreiras. }
Confira trechos do próximo livro:
ergueu as sobrancelhas, relaxou a boca num esboço fraco de sorriso, e tossiu. tossiu, melodiosamente, três vezes. até nisso o velho era bom. tossia no ritmo da poesia. e ainda abalado pelos versos secos da tosse - meio que tremendo -, mexeu os dedos da mão para deixar claro que tava vivo, que tava ali comigo, que era uma peça no mundo, e que funcionava. respirava forte, mas não profundo. soltava o ar em partes e engolia em partes menores, como se logo logo ele fosse acabar. mas não acabava. e eu ficava ali, do lado, roubando esse pouco de ar que o velho ainda tinha, desse pouco de vida que ainda tinha. deixei de respirar profundo. agora só respirava durante o intervalo da respiração do velho. me sentia melhor assim. ele abriu os olhos. me viu. o esboço virou sorriso. é meu vô - eu dizia comigo - é meu vô, é meu pai, meu poeta - eu dizia comigo. e eu sorri. ele, também sorrindo, suspirou profundo e voltou a fechar os olhos. já não sorria. o esboço, insistente, reapareceu.
(Poeta era meu vô, capítulo 1)
* * *
- tem um cabelo na minha sopa.
- vai ver é teu.
- eu sou careca, seu desgraçado.
- vai ver é do cobertor.
- não, não é do cobertor. e parece um pentelho.
- eu me depilo, vô.
- putaquepariu. então é meu.
(Poeta era meu vô, capítulo 38)
* Lucas é poeta, gaúcho de Novo Hamburgo
e atualmente mora em Caracas, na Venezuela. Em 2012 foi finalista do Prêmio
AGEs de Literatura com o seu primeiro livro, Se soubesse o que dizer, diria em
prosa (Paco Editorial, 2011), e, através dele, criou, juntamente com o músico
Dado Vargas, um projeto de declamação poética: Eletropoeteria. Lucas nasceu em
1990 e atualmente escreve para sites de literatura (públicos e independentes).
Integrou, recentemente, a Nova Coletânea de Poesia Gaúcha Contemporânea.
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